Roberto Pereira: Casos e causos em movimento (3)
Hotel: Ao ser inaugurado, em Boa Viagem, no Recife, o hotel Casa-Grande & Senzala, um vespertino publicou uma foto do notável escritor pernambucano

Hotel: Ao ser inaugurado, em Boa Viagem, no Recife, o hotel Casa-Grande & Senzala, um vespertino publicou uma foto do notável escritor pernambucano e a instigante legenda: “Gilberto Freyre vê o seu livro transformado em hotel.”
Paulo Freire: A professora Sônia Cisneiros, fazendo o cerimonial de uma solenidade da Secretaria Estadual de Educação, Cultura e Esportes, não se apercebeu da presença do educador Paulo Freire para chamá-lo a tomar assento à mesa principal. Este, finalmente identificado pelo cerimonial, ao ser convidado após a conclusão da mesa, em tom de blague, externou: “pensei que o movimento de 1964 estava sendo reeditado.” A plateia soltou o riso numa comunhão de solidariedade fraterna.
Perigo num voo: Vínhamos num avião bimotor, voando a 30 mil pés, Petrolina/Arcoverde, Dr. Roberto Magalhães, sentado defronte do Dr. Oswaldo Coelho, Anchieta Santos, de frente a Pedro Correia, e, eu, na traseira da aeronave.
Voo de cruzeiro, tranquilo, estável, quando, de repente, o avião despressurizou-se e o piloto, exímio no seu mister, fez a aeronave cair de bico rumo ao chão, mas, ajudado por Deus, readquiriu, a 10 mil pés, o equilíbrio.
Durante a queda, Dr. Roberto virou-se para o “Braço Forte do Sertão” e lhe disse: “Dr. Oswaldo, aperte o cinto de segurança, o senhor vai me esmagar lá embaixo”, recebendo como resposta o seguinte: “Dr. Roberto, quando chegarmos lá embaixo, já estaremos todos esmagados.” Apesar de trágico, por nervosismo, sorri. O piloto nos explicou que teve que perder altura para evitar a explosão, no ar, do equipamento, por isso fê-lo bicar e, por Deus, conseguiu o reequilíbrio.
Bispo Auxiliar: Dom José Lamartine Soares, bispo auxiliar de Dom Hélder Câmara, foi membro do Conselho Deliberativo da Fundarpe na época de minha gestão à frente dos destinos daquela entidade. Aproximou-se de mim, gerando uma empatia entre mim e ele.
Numa tarde tristonha, de 18/08/1985, ele, avisado da morte iminente, manda chamar 10 pessoas do seu bem-querer para, ao redor do seu leito de morte, cantarmos “Segura na mão de Deus”, um dos cantos mais bonitos da igreja Católica.
Eu, desafinado e sofrendo com a triste visão à minha frente, cantei em ritmo acelerado. Ele, ainda com muito bom humor, disse: “Roberto, cante mais devagar porque nesse ritmo dá a impressão de que você quer que eu vá mais depressa”. O riso foi inevitável. Meia-hora depois veio a óbito para tristeza de todos nós.
Assalto: Fui, na década de 1970, assaltado em meu apartamento, à época no Espinheiro, por um detento recém-colocado em liberdade, com o nome de ilustre engenheiro e professor da UFPE, Newton Maia.
Entrou, armado de revólver, no meu recinto, precisamente no meu gabinete de trabalho, num sábado à tarde, dizendo ter descoberto o meu endereço no meu trabalho e tinha sabido que eu era um homem sério e honesto.
Cortando a sua introdução, indaguei: e vocês agora estão escolhendo quem é honesto ou não para assaltar?
Ele retrucou: também me disseram que o senhor era irônico.
Ele, posto em liberdade, desejava retomar a vida comprando um torno de Nonô, em Paulista, para fazer botões de chifre, de quem, por coincidência, fui cliente na minha adolescência.
Conversamos, a bem conversar, das 14 às 18h, quando, à exaustão, fiz-lhe uma proposta: Newton, já lhe disse que não disponho dos 600 cruzeiros, mas você retorne aqui na segunda, às 9h, que lhe entrego a metade desse montante.
“Espere aí, doutor, o senhor vai mandar me prender.”
Então, você não dissesse ser eu um homem sério.
Doutor, o homem sério se conhece é pelo olhar, e o senhor é um homem sério. Voltarei, sim, na segunda.
Voltou, já perguntando: está com o dinheiro aí? Sim, estou, respondi. Está sozinho? Sim, sem ninguém.
Passei-lhe o montante e lhe disse: confira, por favor! Ele contou e arrematou: o senhor realmente é um homem sério.
Encontrei-me com o tal, na Casa da Cultura, poucos meses depois. Parei e conversei por pouco tempo com ele, que me pediu o dinheiro do cigarro, mas me disse que dava o meu nome aos colegas assaltantes, dizendo: neste aqui você pode confiar, se ele tiver o dinheiro, dá; caso contrário, ele marca outro dia e paga.
Bom ou não, ganhei essa referência no mundo dos ladrões.
FIT AMÉRICA LATINA: No período de 17 a 21 de novembro de 2007, participei, como de costume, da feira internacional, que anualmente vem se realizando em Buenos Aires. Nesse ano, 1800 expositores para um público de 75 mil pessoas circulantes deram a dimensão do evento.
Antes de viajar, a Secretaria de Turismo do Ceará me pediu para dividir a diária do apartamento do hotel com um jovem de nome Eduardo, que iria com um apoio reduzido para as despesas. Concordei.
No sábado, 17, abertura do pavilhão da feira e, à noite, festa de inauguração do evento, que preferi me recolher. Eduardo foi.
Já tarde da noite, Eduardo chega aos prantos, chorando às pitangas. O que houve, rapaz, perguntei. Ele disse: soube que o meu pai está pior e que a doença dele se agravou.
Inocentemente, indaguei: quem é o seu pai? Meu avô, sou filho do meu avô.
Como assim?
O meu pai se separou da minha mãe logo no início do casamento e o meu avô foi morar conosco para ajudar na minha criação. Daí, casou-se com a minha mãe e eu passei a adotá-lo como pai.
Pai é quem cria, arrematei, no que ele concordou já menos choroso, mas com um sorriso à meia boca.
Roberto Pereira foi secretário de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco e é membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.